“Com o barulho forte da chuva, vendo meus pais em claro, sem titubear uma palavra, adormeci. Amanheceu e a água que inundou a cidade já havia baixado, mas seus rastros deixaram marcas que nunca vão sumir. Eu não me continha de medo da situação e implorava pra entender o que estava acontecendo. Então, por volta das oito da manhã, um de meus tios chegou em minha casa, com sua esposa e minha prima. Fomos todos ver o centro da cidade e foi ali que vi um verdadeiro cenário de guerra. Eram árvores caídas no chão, moveis espalhados pela rua, animais mortos. Cacos de vidro. Objetos espalhados em todo lugar. Documentos e fotografias presos à lama, muita lama. Gente indo e voltando e em todos, um só sentimento. Talvez tristeza seja uma palavra indescritível para o que aconteceu. O choro? Ah, esse era inevitável. Eram dezenas de casas destruídas, boa parte do comércio também. Nas ruas principais a água atingiu dois metros. E quanto mais andávamos, mais eu tinha a sensação de que para Alagoa Grande, o mundo tinha acabado. E que aquela foi a pior quinta-feira de nossas vidas."
Ana, 18
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Foto: Reprodução/ Internet |
Aquela parecia ser uma quinta-feira como outra qualquer, mas infelizmente, 17 de junho de 2004 foi uma data nada comum, principalmente para os municípios de Alagoa Grande e Mulungu. A Barragem de Camará localizada na cidade de Alagoa Nova, não suportou os altos índices de chuva, se rompeu e arrastou tudo o que viu pela frente.
Desde o começo do ano, o Brejo paraibano contava com chuvas atípicas. Inclusive algumas cidades já haviam passado por pequenas enchentes. Mas aquele dia ficou na história. A Barragem de Camará, que atingiu, aproximadamente, 67% do seu volume máximo, acabou rompendo. As águas escoaram pelo rio Mamanguape e inundaram parte dos municípios de Alagoa Grande, Mulungu, Alagoa Nova e Areia. Deixando assim: 5 vítimas fatais, 400 famílias desabrigadas e um enorme prejuízo para a população.
Alagoa Grande, que na época contava com cerca de 28 mil habitantes, foi o município mais atingido pela tragédia. Cerca de 150 comerciantes perderam tudo. Além do prejuízo na cidade, os fazendeiros e agricultores tiveram suas plantações destruídas.
Investigações
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Rua do rio, como é popularmente conhecida, um dia após a tragédia.
Foto: Reprodução/Internet
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Após o ocorrido, uma primeira reunião, para a definição das etapas de investigação, foi marcada para o dia 22 de junho daquele ano. Nela, estavam os principais representantes dos Ministérios Públicos Federal e Estadual e alguns professores do curso de Engenharia Civil da Universidade Federal da Paraíba. A partir de então, uma comissão técnica ficou encarregada de analisar toda a documentação das empresas envolvidas na construção da barragem. Foi aberto, nesse mesmo dia, o inquérito para a apuração das investigações.
Com as investigações ainda em andamento, no dia 13 de abril de 2005, o Ministério Público Federal decidiu mover uma Ação Civil Pública que buscava a punição do Estado e do Consórcio Construtor formado pelas três empresas responsáveis pela construção da barragem.
Campanha SOS Alagoa Grande - Mulungu
A campanha foi oficialmente aberta pela 1ª Dama do Estado da época, Silvia Cunha Lima, que teve a coordenação da Secretaria de Trabalho e Ação Social. O objetivo da campanha era formar correntes de solidariedade garantindo a ajuda necessária para toda a população das cidades atingidas pelas águas.
Empresários, indústrias, comerciantes e representantes de instituições, como também as igrejas, apresentaram, em reunião, sugestões e se colocaram à disposição na colaboração e ajuda para as famílias prejudicadas. A partir das reuniões do grupo, foram criados postos para arrecadação de donativos que seriam entregues às vítimas.
Indenizações
Do dia da tragédia até hoje já se passaram 10 anos. Muitas famílias que foram prejudicadas ainda esperam o pagamento das indenizações. Algumas delas ainda não receberam as últimas parcelas.
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Foto: Antonio Severino da Silva |
Estão em procedimento 550 ações com pedidos de indenização que variam de R$ 6 mil a R$ 80 mil. Em torno de 300 ações são por danos morais e materiais, e o restante, por dificuldade de comprovação, são apenas por danos morais.
Segundo as vítimas, a quantia que foi paga pelo Estado não foi o suficiente para cobrir o prejuízo causado pelo rompimento da barragem.
“O pessoal está ganhando na justiça, mas receber é uma outra questão”, afirma Ivonaldo Farias Montenegro (51), técnico judiciário na Promotoria de Justiça de Alagoa Grande e Juarez Távora - PB. Também segundo ele, o Tribunal de Justiça já reconheceu as sentenças e sua grande maioria está em fase de execução de sentença. “Sete anos que as ações entraram na Justiça e agora vai ser exprimido o recurso precatório. É uma perspectiva de mais 10 anos para que a população possa receber suas devidas indenizações, pois estes recursos entram em uma fila juntamente com outras ações, para que assim, possam ser resolvidas”, conclui.
Apesar de continuar se responsabilizando em ajudar aos prejudicados nas reconstruções, ao longo dos anos o Estado recorreu várias vezes pedindo que fosse retirada a culpa pelo rompimento da barragem.
Julgamento - 13 de maio de 2011
Após as investigações, através de laudos técnicos e das provas necessárias, no dia 13 de maio de 2011, foi dada a sentença, através da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária da Paraíba, na qual o Estado foi o único condenado e responsável pela tragédia.
A juíza Cristina Garcez, julgou improcedente a Ação Civil Pública ajuizada pelo MPF, comprovando, através de evidências, que a barragem estava em completo abandono e se o Estado tivesse rebaixado o nível do reservatório, como havia solicitado as construtoras e técnicos, o desastre teria sido evitado. Mostrando insatisfação, o Ministério Público Federal, juntamente com a União e o Estado da Paraíba, recorreram da decisão.
No dia 22 de janeiro de 2013, por unanimidade, o Tribunal Regional Federal (TRF) manteve a condenação e excluiu, definitivamente, as empresas envolvidas na construção da barragem, culpando apenas a administração estadual pela tragédia de Camará.
Com base no julgamento, o Estado ficou responsabilizado a pagar 1 milhão de reais, por danos morais coletivos, a todos os prejudicados, sendo orientado a reconstruir a barragem, a ponte Mamanguape (situada na cidade de Alagoa Grande), as casas e as estradas nas cidades que foram atingidas pelas águas.
Informações adicionais
→ Localização
A barragem localiza-se no Rio Riachão, afluente do Rio Maranguape, na divisa dos Municípios de Alagoa Nova e Areia, a 162km de João Pessoa, no Estado da Paraíba.
→ Histórico Político
- A barragem foi construída e inaugurada na gestão do governador José Maranhão (PMDB). A construção foi realizada durante o ano de 2001, tendo sido completada em Fevereiro de 2002.
- Rompeu durante a administração de Cássio Cunha Lima (PSDB), em 17 de junho de 2004.
- Está sendo reconstruída na gestão de Ricardo Coutinho (PSB). As obras tiveram início em março de 2012 e sua conclusão estava prevista para o mês de outubro de 2014, o que não procede.
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Foto: Reprodução/ Internet |
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Foto: Antonio Severino da Silva |
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Foto: Reprodução Agência Brasil |
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Foto: Reprodução Agência Brasil |
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Foto: Antonio Severino da Silva |
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Foto: Antonio Severino da Silva |
"Camará: O pesadelo e a as novas controvérsias" não acaba aqui. Em breve, estaremos publicando a segunda e última parte dessa reportagem. Aguardem!